segunda-feira, 6 de junho de 2016

Kasato Maru-Correio Paulistano


Correio Paulistano,  5 de junho de 1908, noticia a chegada do Kasato Maru 

O reporter J. Amandio Sobral esteve na Hospedaria dos Imigrantes, em São Paulo, onde estavam alojados os recem chegados imigrantes do Kasato Maru. Nesta transcrição foi mantida a ortografia original, de 1908.




Está São Paulo com os primeiros imigrantes japonezes.
Chegaram dia 18 (18/06/1908) pelo vapor Kassato Maru, depois de 52 dias de viagem do Japão a Santos, tendo tocado só em dois portos : o de Singapura na Asia e o da Cidade do Cabo na extremidade austral da Àfrica. Deste ultimo porto, o navio veio diretamente a Santos, tendo feito com uma regularidade digna de nota sua derrota (?) do porto de procedência, Kobe (Japão), ao porto de destino (Santos).
O vapor Kasato Maru trouxe para o Estado de S. Paulo 781 japoneses, que constituem a primeira leva da quantidade que deve trazer a Companhia Japonesa de Imigração e Colonização, que contratou com o Estado de S. Paulo a introdução de 3.000 famílias.
Estes 781 japoneses agora introduzidos agrupam-se em 161 famílias, sendo cada família constituída em média por 4,5 indivíduos. São poucos os indivíduos que vieram avulsos (37), isto é, não fazendo parte de famílias.
O número de crianças é insignificante, e o de velhos nulo. Crianças com menos de três anos vieram 8; dos três a sete anos vieram 4; de sete a doze anos, 4, e de mais de doze anos 765. Todo o individuo de mais de doze anos traz já as mãos calejadas, sinal evidente de trabalho habitual.
Com estes japoneses introduzidos pela companhia acima referida, vieram também 11 de mais de doze anns e 1 de três a sete anos, espontâneos, isto é, com passagem paga à sua custa.


Dos introduzidos pela companhia (781) 532 sabem ler e escrever, isto é, 68 por cento, sendo necessário notar que, dos 249 tidos como analfabetos, muitos deles sabem ler mal e escrever um pouco. Na realidade, os analfabetos, empregando esta palavra na sua acepção literal, não chegam a 100, o que eleva muito aquela porcentagem.
Os imigrantes japoneses vieram de onze províncias diferentes, que são as seguintes: Tokyo, Fukushima, Kagoshima, Kumamato, Okinawa, Ehime, Yamaguchi, Hiroshima, Kochi, Niigata e Yamaguchi.
Pelas cifras supra, ve se que, das 781, só 16 pessoas não são de trabalho, sendo, portanto, 2 por cento os não trabalhadores, e esta insignificante porcentagem não é constituída por velhos ou pessoas invalidas, mas por crianças que amanhã serão ótimos elementos de trabalho.
Vieram para S. Paulo no dia 19, desembarcando nesse mesmo dia do vapor que os trouxe. As suas camaras e mais acomodações apresentavam uma limpeza inexcedível. É preciso notar que se trata de gente de humilde camada social no Japão. Pois houve em Santos quem afirmasse que o navio japonês apresentava na sua 3ª. classe mais asseio e limpeza que qualquer transatlântico europeu na 1ª. classe. 


Isto não é hiperbólico, como adiante se verá.
Ao desembarcarem na Hospedaria de Imigrantes sairam todos dos vagões na maior ordem e, depois de deixarem estes não se viu no pavimento um só cuspo, uma casca de fruta, em suma, uma coisa qualquer que denotasse falta de asseio por parte de quem neles veio. Sairam na maior ordem, depois de quatro horas de viagem em trem especial de Santos a São Paulo (não sei qual a razão por que se não há de fazer o trajeto dos trens de imigrantes em menos tempo), e foram recolhidos no amplo salão do refeitório da hospedaria, ocupando todas as mesas, e ainda sobrou gente, que ficou nos corredores. Estavam todos, homens e mulheres, vestidos à europeia: ekes de chapéu ou boné, elas de saia e camiseta pegada à saia, apertada na cintura por um cinto, e de chapéu de senhora, um chapéu simples, o mais simples que se pode conceber, preso na cabeça por um elástico e ornado com um grampo. Os penteados fazem lembrar-nos os que temos visto em pinturas japonesas, mas sem os grampos colossais que as mesmas pinturas nos apresentam.
Homens e mulheres trazem calçados (botinas, borzeguins e sapatos) baratos, com protetores de ferro na sola, e todos usam meias. Alguns homens foram soldados na ultima guerra (russo-japonesa) e traziam no peito as suas condecorações.
Um deles trazia três medalhas, uma das quais de ouro, por atos de heroísmo, 


Muitos traziam bandeiras pequenas de seda, numa pequenina haste de bambú pintado e lança de metal amarelo. Essas bandeiras eram trazidas aos pares : uma branca com um círculo vermelho no meio, e outr auri-verde: a do Japão e a do Brasil. Essa primeira leva de imigrantes japoneses entrou em nossa terra com bandeiras brasileiras de seda, feita no Japão, e trazidas de propósito para nos serem amáveis. Delicadeza fina, reveladora de uma educação apreciável.
As suas roupas europeias foram todas adquiridas no Japão e ali confeccionadas nas grandes fábricas japonesas. A vestimenta europeia conquista terreno o império do sol nascente. Foram os próprios imigrantes que compraram as suas roupas, adquiridas com seu dinheiro, e só trouxeram roupa limpa, nova, causando uma impressão agradável. As mulheres calçam luvas brancas de algodão. 


Depois de estarem uma hora no salão do refeitório, tiveram que abandoná-lo para saberem quais eram as suas camas e os quartos, e surpreendeu a todos o estado de limpeza absoluta em que ficou o salão : nem um uma ponta de cigarro, nem um cuspo, perfeito contraste com as cuspinheiras repugnantes e pontas de cigarro esmagadas com os pés de outros imigrantes.
Tem feito as suas refeições sempre na melhor ordem e, apesar de os últimos as fizerem duas horas depois dos primeiros, sem um grito de gaiatice, um sinal de impaciência ou uma voz de protesto.
No dia seguinte ao da sua chegada, foram todos vacinados em duas horas, apresentando todos, homens, mulheres, os braços à vacinação, sem relutância alguma nem pudores piegas. Nunca se vacinou ali tanta gente, com tanta ordem, tanto silencio e tanta espontaneidade, no mesmo tempo. Muitissimo tinham sido já vacinado e muitos revacinados.
Tem recebido bem a nossa alimentação, feita a nossa moda e com os nossos temperos, e nem um só caso de doença intestinal se manifestou até agora. Só dois leves casos de gripe e algumas dores de cabeça (de ligeiras constipações) em menos de duas dezenas de pessoas.
Todos os japoneses vindos são geralmente baixos, cabeça grande, troncos grandes e reforçados, mas pernas curtas. Um japonês de 14 anos não é mais alto que uma criança das nossas de 8 anos de idade. A estatura média japonesa é inferior a nossa estatura baixa.


Mas vieram alguns homens mais altos, regulando a sua estatura pela nossa média. O que, sobretudo, atrai a nossa atenção é a robustez, o reforçado dos corpos masculinos, de músculos pouco volumosos (admira, mas é verdade!) mas fortes e de esqueleto largo, peito amplo.
Os seus cabelos negros, que parecem negrejar mais nos volumosos penteados das mulheres, são cortados, nos homens, de maneira a permitir uma marrafa, que quase todos usam, uns do lado e outros no alto da cabeça, penteada com cuidado, perfeitamente em harmonia com a gravata que todos usam e sem incompatibilidade com os calos que todos trazem nas mãos.
São muitos dóceis e sociáveis, tendo manifestado uma grande vontade de aprender a nossa lingua, e no refeitorio não deixaram cair um grão de arroz ou uma colher de caldo. Depois de cada refeição (que dura de uma e meia a duas horas), o pavimento do salão está como antes dela. Os dormitórios quase não precisam ser varridos, mal se encontrando de longe em longe um pedacinho de papel ou um fósforo queimado, que algumas vezes são dos serventes da hospedaria.
Tem nas suas mulheres a maior confiança, a ponto de, para não interromperem uma lição adventícia de portugues, lhes confiarem a troca do seu dinheiro japones em moeda portuguesa, pois todos trazem dinheiro : 10 yens, 20, 30, 40, 50 ou mais yens, mas todos trazem um pouco. 



São de maior asseio com o seu corpo, tomando repetidos banhos e trazendo sempre roupas limpas.
Todos tem uma caixa de pós dentifricios, escova para dentes, raspadeira para a língua, pente para o cabello e navalha de barba. Barbeiam-se sem sabão, só com água.
As suas gabagens são pequenas: para menos de oitocentas pessoas, mil e cem malas, na sua maior parte de vime branco e algumas de lona pintada. Não parece bagagem de gente pobre, contrastando flagrantemente com os baús de folha e trouxas dos nossos operários. Nestas suas bagagens trazem as roupas indispensáveis e objectos de uso diário, como pasta para dentes, um frasco de conservas, um de molho para temperar comida, um ou outra raiz medicinal, as indispensáveis e exquisitices travesseiras, pequeninas e altas, de madeira forrada de veludo ou de bambu fino, flexível; cobertores acolchoados, casacões contra o frio, ferramentas pequenas (por sinal que as de carpinteiro são muito diferentes das nossas), um ou dois livros, (cheios de garatujas, direi eu), uma caixa de papel para cartas, nankim para escrever, pausinhos (que podem ser de alumínio), para comer arroz, colheres pequenas, mas largas e chatas, para as refeições, e muitas outras miudezas que lhes são necessárias. De roupas japonesas, só vi um kimôninho pintalgado numa criança de colo. 


Nas mil e cem malas que trouxeram, a alfândega não encontrou um único objeto nas condições de pagar imposto, embora a conferencia tenha sido feita com todo o rigor e durado quase dois dias inteiros.
Os empregados da alfândega declaram que nunca viram gente que tenha, com tanta ordem e com tanta calma, assistido á conferencia de suas bagagens, e nem uma só vez foram apanhados em mentiras.
Se esta gente, que é toda de trabalho, for neste o que é no asseio, (nunca viu pela imigração gente tão asseada), na ordem e na docilidade, a riqueza paulista terá no japonês um elemento de produção que nada deixará a desejar.
A raça é muito diferente, mas não é inferior. Não façamos, antes do tempo, juízos temerários a respeito da ação do japonês no trabalho nacional.
S. Paulo, 22-VI-1908
J. Amandio Sobral.

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