domingo, 5 de junho de 2016

Gaijin x Nihonjin

Blog da imigração japonesa no Brasil

 

Quando era criança, na década de 60, até aos sete anos morei numa cidade do interior do Paraná, cujo curioso nome é Cidade Gaucha. Haviam duas famílias japonesas neste então vilarejo,  uma delas era a nossa. Meus pais eram nisseis, portanto eu sou sansei. Quando andava nas ruas, muitas vezes alguns adultos me dirigiam palavras rudes, e muitas vezes ouvi esses detestáveis versos:

“Japonês calabrês, foi o diabo que te fez”

“Japonês da cara chata, come queijo com barata”.

Não sei até hoje que relação existe entre a Calábria e o Japão. Na época não sabia o que significava “calabrês”, mas imaginava que não era coisa boa.

Também me chamavam de “bode”, e quando eu passava, diziam “bééé´…bodinho…”, e riam. Não sei de onde tiraram essa associação entre o japones e o bode.

Por várias vezes, essas pessoas atiravam pedras, e riam quando alguma me atingia. Eu suportava aquilo calado, tinha medo de reagir. Afinal era apenas uma criança. Meu pai nunca era alvo deste tipo de atitude, alias, era uma pessoa bem popular e benquista no local. Eu só tinha uma certeza : era tratado assim apenas por ser japonês.

Eram os últimos resquícios da Segunda Guerra Mundial, que havia terminado há pouco mais de 15 anos. A propaganda anti nipônica ainda persistia em algumas pessoas, que ainda viam em nós “inimigos dos países aliados”. Alem disso,  as pessoas que me azucrinavam cresceram sob o sentimento nacionalista da ditatura Vargas.  Esses episódios são exemplos de que a unanimidade as vezes é burra, e a maioria nem sempre está com a razão. Os imigrantes japoneses nunca foram inimigos de ninguém.

Mais tarde, nos mudamos para outra cidade, também no interior do Paraná, que na época se chamava “Tupãssi” (do tupi, “filha do sol”), belíssimo nome para uma cidade. Mudaram o nome da cidade, virou “Assis Chateaubriand”, esse horroroso e impronunciavel palavrão. Ali meu pai se sentiu no paraiso, pois a colonia japonesa era grande e bastante unida. Estava cercado de nihonjins, e melhor ainda, a esposa e filhos também.

Se por um lado sofri discriminação, justiça seja feita. Meu pai também era, em alguns aspectos, também preconceituoso. Para ele, os “gaijins” (não descendentes) eram “inferiores”, e nós, os japoneses ( “nihonjins”), melhores que eles. Por esse motivo, em alguma época, até quando pode controlar nossos movimentos, ele fez o que podia para afastar os filhos da companhia dos gaijins. Amizades, só com os nihonjis (descendentes). Quando fazia amizade com um menino nihonjin, ficava contente. Se fosse gaijin, ficava contrariado, embora não proibisse a amizade; e deixava bem claro que não havia gostado muito do novo amigo. Tarefa impossível, meus melhores amigos de infância foram na maioria gaijins.

Não culpo meu pai pelos seus sentimentos de segregação racial. Ele era filho de imigrantes, e o plano dos imigrantes era voltar para o Japão. Levando os filhos nascidos no Brasil é claro. Para viabilizar esta volta às origens, era necessário que os filhos se casassem com descendentes de japoneses. Assim, todos retornariam ao Japão, juntos e felizes para sempre. Como voltar ao Japão, levando uma marido ou esposa brasileira ? Havia outro detalhe, na volta ao Japão, era necessário que se falasse o japonês, não o português. Por isso, os imigrantes japoneses formavam grupos étnicos fortemente isolados, cultural e socialmente. Meu pai nasceu e cresceu nesse ambiente, impregnado de cultura japonesa,  e quis que eu e meus irmãos também gozassem desse “privilégio”.

Com o passar dos anos, meu pai, uma pessoa de rara inteligência, acabou por entender que a atitude dele era insana, e que era inútil e incorreto continuar com suas idéias de preconceito racial.  E que era muito mais brasileiro do que japones.

Quanto a mim, por influencia do meu pai, até o final da adolescência, cresci pensando que nós, os japoneses éramos melhores que os gaijins, mas somente num quesito : na escola. Pura bobagem, haviam nas escolas nihonjins estudiosos, mas também havia os ruins de notas. Entretanto, quando a coisa ficava preta e séria, que era a época dos vestibulares, aí sim, o nihonjins queimavam a pestana nos livros. Mas essa época, em que nos cursinhos se dizia “mate um japonês e garanta uma vaga a mais”, já passou, não existe mais.

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Um comentário:

  1. Ola Claudio! Tambem sou da decada de 60, nissei e passei por todos estas discriminações e ofensas... sei o que passamos! Vou seguir o blog! Muito interessante!

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