domingo, 5 de junho de 2016

Carta de um colono russo ao seu primo

Carta de um colono russo, dirigida a um seu primo Gustavo Meschgrahw, Juiz municipal em Dungada, Russia.

Carta manu

Este blog a principio é dirigido à imigração japonesa ao Brasil. Entretanto, na elaboração dele, me deparei com esta simpática carta. Ela retrata as condições e o apoio dado pelo Governo do Estado de São Paulo aos imigrantes. Poderia esta carta perfeitamente retratar a situação de um imigrante japonês.

O autor da carta é um colono residente na colônia russa Nova Odessa, onde adquiriu terras.

“Nova Odessa, 15-01-1908.

Caro Gustavo. Admiro-me que, durante estes últimos dois anos , tu só me escreveste uma unica carta, a qual recebi ainda em Ufa, isto em Fevereiro de 1906 , apesar de eu te haver escrito diversas cartas, tanto de Ufa e Libau como daqui. Primeiramente zanguei-me por-que me não escrevias; zanguei-me mais ainda na revolução e na reacção e por fim não sabia em que mais me zangar. Deixemos isso, porém, visto desejares ter alguma noticia sobre a minha vida aqui, o que agora passo a te relatar. Já faz dois anos que cheguei ao Brasil e a vida me tem corrido de um modo variado. Nos primeiros tempos, até acostumar-me com os hábitos e clima daqui, estranhei um pouco, por que aqui tudo é diferente da Russia.

Embora o trabalho para o preparo dos terrenos seja mais ou menos aguais ao que temos na Russia, é, todavia, mais vantajoso, visto que o tempo de culturas não é tão limitado. As nossas primeiras plantações nós começamos em fins de Agosto e terminamos em Dezembro. Outras culturas, aqui chamadas de inverno, são semeadas de Janeiro até Maio.

A vida do colono aqui é mais fácil que na Russia, pois, quando eu morava em Ura, tínhamos só 5 meses no ano para trabalhar e ganhar com que podermos sustentar-nos Também nos 7 meses de inverno, o que não acontece no Brasil onde não é necessário nem fazer feno ou depósitos de alimentos para animais, afim de se poder atravessar o inverno.

Quanto ao governo d'aqui, elle auxilia muito mais que o nosso na Russia, tanto com conselhos e instruções como com a parte material. O governo dá sementes para as primeiras plantações, bem como as necessárias ferramentas, tais como, enxadas, etc., e mesmo arado, quando o colono possui animais. Foi-me feito, gratuitamente, o transporte de todo o material para construir a minha casa e recebi, gratuitamente também, 1.500 telhas de barro para cobri-la. No primeiro ano me foram emprestados animais para arar, até que eu possuisse os meus próprios.

A. aquisição de animais, arado o materiais para construção da casa, é facilitada pelo governo para o colono pagar em prestações annuaes. Durante o tempo que aqui me acho, tenho tido medico gratuitamente. Quanto a vias de communicacão, achamo-nos aqui em melhores condições do que nos achávamos aí, pois cada lote possui estrada.

Existem já na colônia duas escolas primarias para as crianças; os maiores frequentam as escolas na vizinha Villa Americana. Todas essas facilidades e concessões, podemos procura-las em vão nas colônias aí da Russia. O governo mantém na colônia um grande campo de experiências e demonstrações culturais , com completo material agrícola, onde são ensaiadas diversas culturas, e onde podemos aprender a tratar as plantas cujas culturas são as que mais convém plantar nos lotes.

Esse campo também nos fornece mudas e: sementes para nossas plantações.. O governo também forneceu aos colonos que desejavam, diversas mudas de arvores frutíferas. Alguns já iniciaram a formação de. pomares; eu já plantei cerca de 30 arvores frutíferas e 20 cafeeiros para depois de alguns anos tomar café de produção minha.

Já construi casa de tijolos. de 8 metros de comprimento e 6 de largura, e também um paiol de 7 metros. de comprimento e 5 de largura. Pretendo agora fazer um estabulo para poder ter esterco. Possuo já 2 mulas, 3 vacas de leite, uma novilha, dois garrotes, um bezerro, 4 porcos e cerca de 50 galinhas.

Possuo também tres arados, uma grade de dentes de ferro, uma carroça, uma desnatadeira, um moinho manual para milho e uma collecção de ferramentas de carpintaria. Eu já podia ter feito mais progresso, porém um pequeno acontecimento -me atrasou um pouco, refiro-me a um talho que recebi no dedo polegar quando fabricava a minha carroça, isto em Abril do ano passado.

No hospital de Campinas recebi os curativos necessários, porém fiquei inativo durante quase 3 meses. Agora já posso trabalhar, felizmente. Este ano pus em cultura uma área de 5 hectares e as plantações estão geralmente viçosas, por isso acho-me bastante esperançado, quanto ao meu futuro. O clima aqui também o acho melhor do que em Ufa. Lá não passámos um ano sem que alguém da família adoecesse. Aqui já estamos ha quase 2 anos e a não ser o corte no meu dedo, ninguém mais nada sofreu. Aqui é mais quente que na província de Kurlandia, porém não é mais quente do que em Ufa no mes de Junho, onde sentimos o calor de 40 graus, tendo-se, além disso, que suportar no inverno um .frio de 4 graus. Aqui o frio só é sentido em Junho, Julho e Agosto, porém é um frio que não vai além de uma ligeira geada, a noite, quando muito.

Nós, acostumados com aquelas grandes diferenças entre o calor do verão e o frio do inverno, encontramos aqui, a principio certa monotonia, porém agora acho-me já habituado. Quanto a nossa vida espiritual, nós não podemos gabar-nos, por que até agora não tivemos tempo de pensar nisso. Só no ano passado, os luteranos começaram a fazer reuniões religiosas. Não possuímos ainda pastor, e decerto, até arranjarmos, decorrerá ainda algum tempo.

Vês bem que minha carta está já bastante longa, por isso preciso fazer ponto final. Aviso-te que meu primo Johan deve achar-se comigo dentro de poucos meses, por isso não lhe informo onde é que ele se acha agora.

Rogo-te transmitir recomendações minhas e de minha mulher a senhora Pipar. Se me responderes esta, poderei escrever-te outra mais minuciosa.

Enviando-te lembranças, subscrevo-me, teu primo,

Jahn Meshgrahw”

(Extraído da “Cartilha do Imigrante”, edição 1908)

 

Clique aqui para ir ao indice do blog


Indice1

Anuncio-patrocinador_thumb

2 comentários:

  1. Não me parece ser propaganda para estimular a imigração russa?

    ResponderExcluir
  2. Esta muito estranho. A carta da foto não tem relação com o texto. E que conhece a história da colonização russa, italiana e até de outros países europeus nessa época não teve todo esse apoio do governo. Trata-se de algo para iludir os novos imigrantes, como ocorreu no tempo do Império em relação aos italianos.

    ResponderExcluir