segunda-feira, 6 de junho de 2016

As tragedias do Wakasa Maru

 

A primeira tragédia do Wakasa Maru – viagem de 30/12/1917

As tragédias do navio Wakasa Maru são dessas histórias que seriam esquecidas para sempre, não fosse o jornalista Jorge Okubaro (1), que  resgatou  alguns detalhes ouvindo o seu avo; e publicou a no seu livro O Súdito.

O navio, um cargueiro, não era adaptado para levar emigrantes. Pior ainda, era uma embarcação já sucateada, em fim de carreira. Mesmo assim, foi fretado pelas companhias de emigração para levar emigrantes ao Brasil. Suspeito que o navio era usado para exportar café do Brasil a outros países, e para não chegar aqui vazio, numa viagem que não gerava lucro nenhum, era fretado às companhias.

Wakasa Maru 3
Wakasa Maru 

No dia 03 de novembro de 1917, o navio Wakasa Maru partiu de Kobe levando 1579 emigrantes contratados pela Companhia Introdutora Brasil Imim Kumiai. As instalações para os imigrantes eram péssimas, improvisadas, com alguns beliches de madeira e tatamis de péssima qualidade que serviam de colchões.

Cada emigrante dispunha de um espaço de 90cm x 180cm, suficiente para esticar um tatame onde dormia. As crianças tinham espaço menor ainda. O navio, por ser pequeno demais, balançava muito e provocava enjoos.

As condições sanitárias eram horrendas. A bordo, apenas quatro banheiros, 2 para homens e 2 para mulheres. Havia revezamento para banho, e em média banhavam-se duas vezes por semana, dispondo-se de mais ou menos 25 litros de água doce por banho. Como os banheiros eram minúsculos, não havia espaço para tirara a roupa, os banhistas se despiam fora do banheiro e dali saiam também nus para se enxugavam e vestirem. Naquelas condições, o sentimento de pudor já nem existia. Entretanto, acostumados à nudez, e aos banhos públicos coletivos, esse detalhe não chegava na época ser tão constrangedor.

As condições sanitárias precárias, a superlotação e a má ventilação formavam um ambiente favorável à propagação de doenças contagiosas. Não havia instalações hospitalares nem medicamento suficiente. Por isso, o inevitável aconteceu : um surto de meningite cérebro espinhal eclodiu a bordo. Quando o primeiro óbito ocorreu, uma grande agitação se fez no navio. Um funeral religioso foi improvisado, com o corpo enrolado em um pano branco sendo jogado ao mar. O navio fez uma breve parada para esta cerimonia em sinal de respeito ao falecido e todos se reuniram para o funeral.

A viagem seguiu, mas logo a segunda e a terceira morte ocorreram, e o mesmo ritual foi repetido. Após a quarta ou quinta morte, o medo se instalou a bordo. Com a meningite fazendo sucessivas vitimas, os óbitos aconteciam em média uma ou duas vezes por dia, o navio não parava mais e a comoção pelas mortes já não era tanta, pois já era fato rotineiro.

Após 53 mortes, o Wakasa Maru atracou em Cingapura. As autoridades sanitárias do porto agiram como manda a cartilha. Examinaram todos os passageiros, os que apresentavam sintomas de meningite foram encaminhados para tratamento. Aos demais, foi imposta quarentena a bordo. Um trabalho de limpeza e desinfecção do navio foi realizado. Após 24 dias de observação e trabalhos sanitários, o navio foi liberado para seguir viagem.

Finalmente em 30 de dezembro de 1917, às vésperas do ano novo, o Wakasa Maru chegou a Santos.

A segunda tragédia do Wakasa Maru – viagem de 17/07/1918

Após a desastrada viagem de 30/12/1917 (data da chegada em Santos), o Wakasa Maru fez no ano seguinte mais uma viagem, organizada pela empresa de emigração Brasil Imin Kumiai (a mesma da viagem anterior) que chegou em 17/07/1918.

Após ler o depoimento de Jorge Okubaro, quis saber se esta viagem fôra melhor organizada. Analisei longamente a lista de embarque desta leva e constatei, confesso entristecido, que a mesma tragédia aconteceu.

A leva de 17/07/1918 saiu do Japão com aproximadamente 1730 emigrantes, uma superlotação absurda e inaceitável.  Durante a viagem, repetindo as mesmas condições e erros da viagem anterior faleceram 54 emigrantes,  Tristemente, 41 deles eram crianças menores de 3 anos. A lista revela que :

Faleceram 41 menores de 3 anos;
                    03 maiores de 3 até 5 anos;
                    11 maiores de 15 anos.

Na chegada em Santos, 5 doentes  foram hospitalizados.

Durante esta viagem, nasceram 7 crianças.

Como falta uma página desta lista, onde constavam 120 imigrantes, estes números podem ter um pequeno aumento.

Creio que esta leva de 17/07/1918 saiu do Japão com esta superlotação porque a companhia japonesa de emigração Brazil Imin Kumiai  tinha um contrato já firmado  com a empresa brasileira de imigração Antunes Santos & Cia, que havia solicitado ao Estado de São Paulo a liberação de uma grande leva de imigrantes. Esta autorização foi concedida em 14 de agosto de 1916, como pode se ler no cabeçalho da lista de passageiros. 

Pagina de 17-07-1918-cabecalho
O cabeçalho da lista de passageiros acusa que as partes já tinham interesses comuns, deste agosto de 1916. (um carimbo nesta pagina acusa a data da chegada em Santos). Para cumpri-lo a Brazil Imin Kumiai viu-se obrigada a super lotar o navio novamente. Pelo menos é o que eu penso.

Pagina de 17-07-1918
A lista está salpicada da macabra anotação “falleceu a bordo”

Pagina de 17-07-1918-falecido a bordo-familia
A lista revela uma triste tragédia : a  familia Kikomatsu perdeu 3 filhos, de 8, 4 e 1 ano de idade. Somente o mais velho, de 10 anos sobreviveu.

Pagina de 17-07-1918-falecido a bordo-familia 2
Mais uma tragédia familiar : o casal Heisuki e Yuki Matsumoto perderam dois filhos, o mais velho Horoshi faleceu já no Brasil, na Hospedaria dos Imigrantes, em 05/08/1919, 19 dias depois da chegada ao Brasil.

Pagina de 17-07-1918-hospitalizados
ficou doente em Santos”. A lista indica que 5 imigrantes foram hospitalizados na chegada.

As viagens do Wakasa Maru

O Wakasa já vinha sendo utilizado, antes destas tragédias, como navio de emigração. Foram essas as viagens para o Brasil (data da chegada em Santos e número de emigrantes) :

15/05/1913,  1605 emigrantes;
28/10/1913,  1793 emigrantes;
26/04/1914 , 1700 emigrantes;
15/06/1917, 1242 emigrantes;
30/12/1917, 1579 emigrantes; (primeira tragédia)
17/07/1918, 1730 emigrantes;
(segunda tragédia)

Após as duas viagens desastradas, o Wakasa Maru abandonou definitivamente as viagens com superlotação :

23/01/1919, 331 emigrantes;
28/07/1926, 372 emigrantes;
12/01/1927, 464 emigrantes;
22/07/1927 ?
15/01/1928, 400 emigrantes;
30/08/1928, 324 emigrantes;
02/02/1929 , 318 emigrantes;
30/07/1929, 806 emigrantes; *
26/01/1930,  432 emigrantes;
25/07/1930,  652 emigrantes.

* Na viagem de 30/07/1929, com um número exagerado de passageiros,  ocorreram 7 mortes de recém-nascidos, e de 1 criança de 3 anos. A causa provável pode ser meningite. Nas demais viagens, ocorriam em média 1 a 3 mortes, entre crianças e adultos.

O Wakasa Maru foi aposentado em 1933 e vendido como sucata.

(1) Jorge J. Okubaro é jornalista. Depois de estudar durante alguns anos na Escola Politécnica da USP, optou pela carreira de jornalista e trabalhou em diversas publicações e também no Palácio dos Bandeirantes, sede do governo do estado de São Paulo. Desde 1989 é editorialista do Grupo Estado, que edita os jornais O Estado de S. Paulo e Jornal da Tarde.

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13 comentários:

  1. meu avô e minha avó vieram em 17/7/1918. Eu acreditava que meus avós sofreram aqui no Brasil, mas creio que desde a vinda dos mesmos foi um verdadeiro caos. muito obrigada pela informação.
    solange M. Nozaki

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    1. Fico feliz por ter gostado do blog. Pretendo mais tarde continuar com ele. Grande abraço !

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  2. Foram realmente viagens muito sofridas, quase que como escravos e em condições sub-humanas.
    Nossos avós eram muito fortes por terem sobrevivido.
    abs e parabéns pelo blog
    Dora Y.Nozaki Goto

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  3. Meus avós Kiozo e Kane Andó vieram na segunda viagem tenebrosa do Wakasa Maru há 1 século atrás. Foram fortes e sobreviveram à travessia. Muito orgulho daqueles que se tornaram pioneiros da cidade de Maringá, onde abriram o comércio "Casa Andó" e criaram seus descendentes.

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  4. Meu avós vieram com 3 filhos na viagem de 02/02/1929

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  5. Oi, Claudio, tudo bom? Estou escrevendo um livro que cita brevemente a viagem de Wakasa Maru. Gostaria de te entrevistar sobre essa sua pesquisa da segunda tragédia do Wakasa. Você pode entrar em contato comigo? Meu email é jusakae (gmail). Obrigada!

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  6. Meu avô veio com seus pais e mais 4 irmãos,30/07/1929, verdadeiros guerreiros, eternamente serei grato por tudo que enfenteram.... Saudades do meu avô.

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  7. Meu avô Masao yamazaki veio com sua família na primeira viagem em maio de 1913...trabalharam nas fazendas de café no interior paulista até qdo em 1964 vieram para capital e se firmaram com bar restaurante no bairro do Cambuci...uma vida de muito trabalho e humildade...

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  8. Que interessante! Meu bisavô Sanada então estava na primeira tragédia.
    Mas a família Nishida, dos meus outros bisavós, consta chegada 11/3/1913, viagem também pelo Wakasa. Por que não aparece? Nunca consegui encontrar a lista de bordo.
    Obrigada pelo relato!

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  9. A lista de passageiros da Polícia do Porto de Santos, no Arquivo Nacional, indica que a viagem iniciada em 25/04/1918, tinha a bordo 1.896 passageiros (com a anotação de mais 2). Na última página há uma conta, com parte danificada, que indica dois desembarques, sendo um em Cingapura, totalizando 52 passageiros. O nº ao lado de falecidos está ilegível. O resultado da conta deve ser o nº de imigrantes que desembarcaram em 17/07/1918, no Porto de Santos: 1.796.

    Pesquiso sobre Itaquaquecetuba e o Alto Tietê. Estava pesquisando sobre um japonês que morou em Itaquaquecetuba, Hatuguma Yanagui, que foi denunciado na época da guerra por crime contra a economia popular. Depois de revirar as listas de bordo e o Projeto Ashiato, descobri que ele foi listado como Hatsukuma Yanagi e estava a bordo do Wakasa Maru, na segunda tragédia (1918).

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    1. Como o Cláudio bem apontou parece que tinham mais passageiros, aqui tem o PDF dos documentos digitalizados

      http://www.inci.org.br/acervodigital/upload/listas/BR_APESP_MI_LP_005273.pdf

      Meu bisavô veio no Wakasa-maru da segunda tragédia também, estou aprendendo sobre essa história hoje. Pq finalmente achamos os dados digitalizados aqui:
      http://imigrantes.ubik.com.br/

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  10. Meus avós vieram em 1918. Um tio meu nasceu e faleceu neste navio.
    Minha família foi o último a vender o sítio no bairro ideal, Guaicara,SP em 2020.

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